A escola é um ambiente privilegiado para garantir muito contato com os livros. Conheça, passo a passo, os caminhos para ir além dos resumos e questionários de leitura e incentivar na garotada o gosto pelas obras literárias - mesmo que você não tenha familiaridade com esse tipo de texto.
Muito se fala do poder da literatura - e de como a escola é um lugar privilegiado para estimular o gosto pela leitura. Infelizmente, porém, as salas de aula brasileiras estão longe de ser "celeiros de leitores". Salvo exceções, o contato dos estudantes com os livros costuma seguir um roteiro no mínimo enfadonho: alguns títulos (quase sempre "clássicos") são indicados (leia-se empurrados goela abaixo) e viram conteúdo avaliado (perguntas de interpretação de texto com uma única resposta correta). E só. A experiência que deveria ser desafiadora vira uma tarefa burocrática e sem graça. Os jovens se formam sem entender os benefícios da leitura e acabam não lendo mais nada. Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e o Instituto Pró-Livro mostra que 45% da população não lê nenhum exemplar por ano (desses, 53% dizem simplesmente "não ter interesse" e outros 42% admitem "ter dificuldade").
Mas, obviamente, é possível mudar esse quadro. Esta reportagem especial se propõe a ajudar você com dicas de especialistas e novidades do campo da didática. Para começar, é preciso compreender que, antes de analisar e refletir sobre os aspectos formais da literatura (história, linguagem etc.), os estudantes têm de gostar de ler. E isso só se faz de uma maneira: lendo, lendo, lendo. Porém ninguém nasce sabendo. Cabe à escola dar acesso às obras e ensinar os chamados comportamentos leitores: "entrar" na aventura com os personagens, comentar sobre o enredo, buscar textos semelhantes, conhecer mais sobre o autor, trocar indicações literárias. Tudo pelo prazer que a literatura proporciona, de nos levar a outros lugares e épocas. Um percurso que idealmente começa na infância - mas também pode ser iniciado mais tarde (nunca é tarde para abrir o primeiro livro).
Formação literária do professor: nunca é tarde para gostar de ler
Muitos professores brasileiros não tiveram a chance de construir uma história como leitores de literatura. Mas sempre é tempo de criar o hábito de leitura e também inspirar seus alunos.
Você terminou de ler um romance. Chega à escola e corre para compartilhar a experiência com os colegas. Fala sobre os conflitos do personagem (sem entregar o fim da história, é claro) e comenta que já viveu vários dos questionamentos narrados na história - razão pela qual a trama prendeu a atenção do começo ao fim. Outro professor aproveita para dizer que já leu algo do mesmo autor - e a conversa continua, animada, até a hora de a aula começar.
"Um mesmo livro nunca é o mesmo para duas pessoas", já disse o poeta Ferreira Gullar. Essa experiência, ao mesmo tempo pessoal e coletiva, é tão rica porque nos permite entrar em contato com uma realidade diferente da nossa - e, graças a isso, (re)construir nossa própria história dia após dia.
Porém a realidade de grande parte dos docentes brasileiros está bem longe disso. Muitos não tiveram acesso a obras literárias em casa nem construíram práticas sociais de leitura (na Educação Básica e nos cursos de graduação universitária). "O professor médio brasileiro do ensino público teve pouco acesso e estímulo a ler. Por isso, conhece poucas obras de literatura contemporânea e clássica", afirma Zoara Failla, gerente executiva de projetos do Instituto Pró-Livro. Então, o que fazer para transformar essa pessoa que tem pouca familiaridade com a literatura em um agente disseminador de boas práticas leitoras? O mais importante é saber que nunca é tarde para se deixar encantar pela literatura e começar uma trajetória como leitor - ou, quem sabe, ampliar ainda mais os conhecimentos sobre os livros. Vamos nessa?
Por que ler
O leitor literário lê por razões variadas: rir, refletir, investigar, relembrar, chorar e até sentir medo. Lê porque mergulha no que autores e personagens pensam e sentem - no passado, presente ou futuro, em lugares distantes ou que nem sequer existem. Lê porque as narrativas literárias o ajudam a refletir sobre a vida e a construir significados para ela.
Como virar um leitor
Não existe um caminho único para se tornar um leitor literário. Você pode começar por textos simples do ponto de vista linguístico e depois passar para os mais complexos - ou iniciar por temas próximos e partir para os mais distantes. "E há os que preferem os grandes desafios desde o princípio porque sabem que eles têm algo a oferecer, nem que seja a estranheza", afirma Ana Flávia Alonço Castanho, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. Um bom caminho para alavancar o gosto pelos livros é procurar uma comunidade de leitores (podem ser os professores da escola, os amigos, os parentes - o importante é encontrar gente que goste de ler). Em Andar entre Livros, Teresa Colomer, professora de Literatura na Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, afirma que "ao compartilhar as impressões sobre uma leitura passamos a saber os significados que a obra tem para os outros, o que enriquece nosso repertório". Outra vantagem desse diálogo permanente é a troca de indicações de textos e autores.
O livro (e outras linguagens)
Para os adultos que estão se iniciando no mundo da literatura, perceber as relações entre os livros e outras linguagens é também um caminho interessante. Ver um filme, ouvir uma música ou assistir a uma peça de teatro baseados em obras literárias e depois ler o texto original - ou vice-versa - é ótimo para entender como uma história é contada de maneiras diferentes. Cada formato tem uma especificidade e prioriza determinados elementos, como a descrição do personagem ou do cenário. É inevitável fazer algumas perguntas. O que mudou do texto para a encenação? Como o cinema traduziu em imagens uma paisagem antes descrita só em palavras? E os personagens, como foram retratados? Isso ajuda a despertar o senso crítico e, claro, querer ler mais.
Quando ler
A leitura deve ser uma atividade cotidiana, mas não precisa ter hora marcada nem deve se restringir a obras novas. Que tal retomar um livro que foi difícil de ler (ou aquele que você adorou)? Em determinada época da vida, um título pode parecer complexo ou não emocionar e, em outras, ganhar novos sentidos. Já no caso dos livros preferidos, nada melhor do que sentir novamente as sensações que a obra provocou, reler os trechos que mais gostou e relembrar as razões que o levaram a eleger aquele escritor como uma referência.
Onde ler
A leitura é um hobby e cada pessoa conhece o melhor lugar para se entregar aos livros. Há quem goste de ler deitado na cama, antes de dormir. Ou ler no ônibus, a caminho do trabalho. Outros preferem o sofá da sala. E você?
O que ler
Muita gente diz que o bom leitor é aquele que lê os grandes clássicos da literatura. Bobagem. Um leitor competente lê de tudo e passeia por gêneros variados, trilhando o próprio percurso. "Como diz o poeta brasileiro José Paulo Paes, devemos ler desde pornografia até metafísica", argumenta Heloisa Ramos, especialista em Língua Portuguesa e formadora do projeto Letras de Luz, da Fundação Victor Civita (FVC). Os best-sellers, por exemplo, recorrem a padrões narrativos simples e trazem certo conforto. "É por isso que tanta gente gosta dessas obras", afirma Celinha Nascimento, mestre em Literatura Brasileira e assessora de escolas públicas e particulares. "Mas não tenha medo de explorar outras possibilidades", sugere (confira na próxima página sugestões para aprofundar-se no mundo da literatura). Aguns livros exigem mais, pedem esforço intelectual, persistência e concentração. Em troca, costumam nos recompensar mais. "Ler Machado de Assis pode não ser fácil, mas não há dúvida de que proporciona muito mais possibilidades de reflexão", afirma Ana Flávia. Só não deixe que tudo isso vire sinônimo de sofrimento. "Fica mais fácil aceitar os percalços da leitura quando encontramos alguma satisfação", argumenta Celinha. Isso vale para você e para seus colegas. E também para seus alunos. Pode parecer difícil, mas basta dar o primeiro passo - ou melhor, abrir o primeiro livro. Boas leituras!
Estante
A Casa dos Espíritos, Isabel Allende, 448 págs., Ed. Bertrand Brasil, tel. (21) 2585-2000, 59 reais | A Vida Como Ela É, Nelson Rodrigues, 980 págs., Ed. Agir, tel. (21) 3882-8200, 62,90 reais | As Meninas, Lygia Fagundes Telles, 304 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 41 reais |
Bagagem, Adélia Prado, 144 págs., Ed. Record, tel. (21) 2585-2000, 29,90 reais | Capitães da Areia, Jorge Amado, 280 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 23 reais | Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez, 400 págs., Ed. Record, tel. (21) 2585-2000, 44,90 reais |
Felicidade Clandestina, Clarice Lispector, 160 págs., Ed. Rocco, tel. (21) 3525-2000, 25,50 reais | Meu Pé de Laranja Lima, José Mauro de Vasconcellos, 117 págs., Ed. Melhoramentos, tel. (11) 3874-0800, 26 reais | O Amante, Marguerite Duras, 112 págs., Ed. Cosac Naify, tel. (11) 3218-1473, 45 reais |
O Caçador de Pipas, Khaled Hosseini, 368 págs., Ed. Nova Fronteira, tel. (21) 2131-1183, 26,90 reais | Primeiras Estórias, Guimarães Rosa, 236 págs., Ed. Nova Fronteira, tel. (21) 2131-1183, 29 reais | Travessuras da Menina Má, Mario Vargas Llosa, 304 págs., Ed. Alfaguara, tel. (21) 2199-7824, 45,90 reais |
Elisa Meirelles (elisa.meirelles@abril.com.br). Com reportagem de toda a equipe de NOVA ESCOLA e
NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR
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