"A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas." (Johan Wolfgang Von Goethe)

sexta-feira, 1 de março de 2013

Músicos cristãos não devem receber cachê?


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por Joêzer Mendonça
No começo deste ano, alguns blogs publicaram valores de cachês cobrados por músicos evangélicos. Mas os tais valores exorbitantes (como os supostos 250 mil reais cobrados pelo Ministério Diante do Trono) não se confirmaram, levando aqueles blogueiros a corrigir ou a deletar a postagem.
Descontando a falta de prova dos números, ficaram as perguntas: músicos cristãos podem cobrar cachê para se apresentar? Como autointitulados levitas, eles não podem ser artistas?
Vinde e arrazoemos:
1 – Os levitas da Bíblia eram especialistas que atendiam exclusivamente às atividades do templo e trabalhadores remunerados (será que alguém ousava criticá-los porque não serviam gratuitamente por amor à causa?) Nem sempre é válido comparar aquele contexto com os dias atuais. Por exemplo, os cantores de Davi ou a banda de Jedutum não saíam em turnê pela Palestina. Segundo as práticas da época, sua arte musical estava vinculada à funcionalidade litúrgica.
2 – Felizmente, há muitos músicos que servem às necessidades musicais da igreja voluntariamente. Há bem-aventurados que têm algumas perdas monetárias, mas testemunham seus ganhos espirituais. Ainda assim, músicos profissionais cristãos estão em seu legítimo direito ao pedir um cachê (nem que seja para cobrir as despesas de transporte e hospedagem). Eles não são advogados que, no fim de semana, vão tocar piano no culto. Cantores profissionais procuram viver de sua profissão como faz todo profissional.
3 – Quanto deve cobrar um artista cristão? Essa questão envolve oferta e demanda, mas mesmo a lei de mercado deveria submeter-se à modéstia cristã. O problema é quando quem contrata acha que só o cantor deve exercer tal virtude. Ou quando o cantor quer ajuntar para si tesouros na terra como se não houvesse céu.
4 – Muitos crentes, com sua habitual destreza em demonizar termos e expressões, condenam a palavra “arte”. Não por acaso, os cantores cristãos ainda temem ser chamados de artistas. Para muita gente, arte é sinônimo de exibicionismo e, portanto, um artista não seria simplesmente o sujeito que trabalha com a expressão artística, mas um showman.
5 – Sendo que os “ministros” e “levitas” foram ensinados a se envergonhar do termo “artista”, então eles dizem que têm um ministério. Só que alguns deles se empolgam e vão ministrar em cruzeiros, em rodeios, no carnaval, enfim, “aonde o vento do espírito [do capitalismo?] soprar”. Se se assumirem como artistas, ao menos vão parar de ter que responder sobre seu sucesso, já que serão artistas e pronto.
6 – Em geral, a igreja que contrata um irmão eletricista para consertar a fiação costuma remunerá-lo. Do mesmo modo, um cantor profissional que solicita um cachê pela apresentação não deveria ser visto como um aproveitador, ainda que existam aproveitadores em qualquer profissão e religião e que, por isso, as igrejas tenham que estar sempre atentas aos lobos cantando música de cordeiro.
7 – A música é encarada por boa parte da sociedade como um dom natural ou sobrenatural. Por isso, o músico não deveria receber dinheiro algum, já que seu talento teria vindo de graça. Nessa linha de pensamento, se um indivíduo diz que alguém se torna pastor por causa de vocação ou dom divino, então os pastores também deverão viver somente da luz do sol como se propõe aos músicos que vivam?
8 – Você percebe quando um levita é um artista pop enrustido quando ele só levita mesmo na hora de gritar “tira o pé do chão!!!”
9 – Nem todo aquele que canta “Senhor, Senhor” entrará no reino dos Céus. Mas se ele não tiver sido nem mesmo um bom artista, no dia do Juízo isso será o menor dos males.

Joêzer Mendonça é músico e faz doutorado em musicologia na Unesp. É autor do blog Nota na Pauta, onde escreve sobre arte, mídia e religião.
Disponível em: http://www.cristianismocriativo.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=777&Itemid=9

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