"A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas." (Johan Wolfgang Von Goethe)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Uma deliciosa aventura...

"No escuro finalmente alguma coisa começava a acontecer. Uma voz cantava. Muito longe. Nem mesmo era possível precisar a direção de onde vinha. Parecia vir de todas as direções – pensou Ari – até mesmo do fundo da terra. Certas notas pareciam a voz da própria terra. O canto não tinha palavras. Nem chegava a ser um canto. De qualquer forma, era o mais belo barulho que já foi ouvido. Tão bonito que chegava a ser insuportável. [...]"

                        "  – Meu Deus! – exclamo o cocheiro. – Não é uma beleza?
        E duas coisas maravilhosas aconteceram ao mesmo tempo.
Uma: outras vozes reuniram-se à primeira, e era impossível contá-las. Vozes harmonizadas à primeira, mais agudas, vibrantes, argentinas.
            Outra: a escuridão em cima estava cintilante de estrelas. Estas não chegaram devagar, uma por uma, como fazem nas noites de verão. Antes, nada havia lá em cima, só a escuridão; num segundo, milhares e milhares de pontos de luz saltaram, estrelas isoladas, constelações, planetas, muito mais reluzentes e volumosos do que em nosso mundo. Não Havia nuvens. As novas estrelas e as novas vozes surgiam exatamente ao mesmo tempo. Se você tivesse visto e ouvido aquilo, igual a Ari, você teria certeza que as próprias estrelas estavam cantando e que a primeira voz, a voz profunda, fizera com que aparecessem e cantassem.
           – Louvado seja! – disse o cocheiro. – Se eu soubesse que existiam estas coisas eu teria sido um homem muito melhor.
            A voz na terra era agora mais alta e triunfante, mas as vozes no céu, depois de entoar com ela por algum tempo, tornavam-se mais suaves.
            Longe, perto da linha do horizonte, o céu se acinzentava. Movia-se uma aragem leve e refrescante. O céu naquele ponto tornava-se gradualmente mais pálido. Já se viam formas de colinas recostadas contra ele. E a voz continuava a cantar.
           Já a luminosidade era suficiente para que se vissem. O cocheiro e as crianças estavam de boca aberta e olhos acesos: bebiam o som, o som que parecia lembra-lhes qualquer coisa. Também a boca de tio André estava aberta, mas não de júbilo. Parecia que o queixo dele tinha pingado para fora do resto da cara. Ombros caídos, joelhos trêmulos. Não estava gostando da voz. Se houvesse ali um buraco de rato, já teria sumido por ele. Mas a feiticeira (Jadis) tinha um ar, até certo ponto, de quem entendia mais daquela música do que ninguém. De boca fechada, lábios contraídos, punhos cerrados, desde que a canção começara, sentira que aquele mundo se enchia de um encanto mágico diverso e mais forte que a magia de seu mundo. E ela o detestava. Teria, se pudesse, esmagado aquele mundo, todos os mundos, só para interromper o canto. [...]
            O céu do oriente passou do branco ao cor-de-rosa e deste ao dourado. A voz subiu, subiu, até que todo o ar ficou vibrando. E quando a voz atingiu o ponto mais alto e mais belo, o sol nasceu. [...] Quando seus raios varreram a terra, os viajantes puderam verificar em que lugar estavam. Tratava-se de um vale por onde serpenteava um grande e caudaloso rio, na direção do sol. Ao norte, colinas suaves; ao sul, montanhas altas. Mas era um vale simplesmente feito de terra, pedras e água; não havia uma árvore, um matinho, uma folha de relva.
            A terra era de muitas cores, vivas, quentes, frescas. Já bastariam para entusiasmar qualquer um ...até que visse o próprio dono da canção ...Aí esqueceria o resto.
            Era um leão. Imenso, felpudo, brilhante, o leão via o sol que se elevava. A canção abria-lhe a boca. Estava a menos de trezentos metros de distancia.
            – Que mundo medonho! – exclamou a feiticeira. – Temos de fugir imediatamente. Prepare a magia.
            – Estou perfeitamente de acordo, madame! – falou tio André. – Que lugar mais desagradável! Sem qualquer civilização! Se pelo menos eu fosse um pouco mais moço e tivesse uma espingarda ...
            – O senhor – disse o cocheiro – não está achando que ia poder matar ...ele ...ou está?
            – E quem ia poder? Perguntou Paula."

As Crônicas de Nárnia: O Sobrinho do Mago, C. S. Lewis.