"A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas." (Johan Wolfgang Von Goethe)

sábado, 18 de dezembro de 2010

Philippe Perrenoud

O sociólogo suíço Philippe Perrenoud discorre sobre temas como formação, avaliação e desenvolvimento de competências.

Foto: Juliet Piper
"Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos para solucionar uma série de situações", diz Perrenoud.
     “Ele trouxe definitivamente à berlinda a discussão do profissionalismo”, ressalta Suzana Moreira, coordenadora pedagógica da Escola Projeto Vida, responsável por cursos de capacitação nas redes pública e particular. Nesse trabalho, ela incentiva a postura reflexiva destacada por Perrenoud. Numa primeira etapa, Suzana assiste a algumas aulas. Em seguida, conversa com o professor e faz com que ele questione a própria atuação. “Só depois de uma reflexão sobre erros e acertos, eu passo os referenciais teóricos. Todos têm o direito de errar para evoluir.”

      Perrenoud auxilia nessa tarefa ao levantar as grandes dificuldades encontradas por quem assume uma sala de aula. Quando escreveu sobre a comunicação entre aluno e professor, por exemplo, ele fez um levantamento para saber o que o segundo anotava nos cadernos e boletins dos primeiros. Pediu também, nas entrevistas com os colegas, uma lista de observações sobre o que se perde quando a comunicação em classe não funciona. Ao combinar essas informações, chegou a 11 dilemas sobre o assunto, como “Deixar falar ou fazer ficar quieto?” e “Como fazer justiça, sem interferir nas regras do jogo social?” “Embora não aponte a solução, ele tem o mérito de identificar os problemas”, afirma Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.  
      Esse é um dos pontos mais reconhecidos de seu trabalho. “Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar uma série de situações”, explica ele. “Localizar-se numa cidade desconhecida, por exemplo, mobiliza as capacidades de ler um mapa, pedir informações; mais os saberes de referências geográficas e de escala.” A descrição de cada competência, diz , deve partir da análise de situações específicas.

A abordagem por competência também é utilizada quando Perrenoud fixa objetivos na formação profissional. No livro 10 Novas Competências para Ensinar, ele relaciona o que é imprescindível saber para ensinar bem numa sociedade em que o conhecimento está cada vez mais acessível:


1- Organizar e dirigir situações de aprendizagem;

2- Administrar a progressão das aprendizagens;

3- Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação;

4- Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho;

5- Trabalhar em equipe;

6- Participar da administração escolar;

7- Informar e envolver os pais;

8- Utilizar novas tecnologias;

9- Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;

10- Administrar a própria formação.

       Biografia: doutor em sociologia e antropologia, ele dá aulas nas Faculdades de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra, nas áreas de currículo, práticas pedagógicas e instituições de formação. Escreveu 10 Novas Competências para Ensinar (Ed. Artmed); Ensinar: Agir na Urgência, Decidir na Incerteza, (Ed. Artmed) entre outros

O que ele diz: relaciona num de seus livros as dez novas competências para ensinar. Também fala sobre avaliação, pedagogia diferenciada e formação

Um alerta: as dez competências não contemplam todas as relações que se estabelecem em sala de aula. Por isso, nunca deixe de lado sua sensibilidade e afetividade.

O sociólogo suíço Philippe Perrenoud é um dos novos autores mais lidos no Brasil. Com nove títulos publicados em português, vendeu nos últimos três anos mais de 80 mil exemplares. O principal motivo do sucesso é o fato de ele discorrer, de forma clara e explicativa, sobre temas complexos e atuais, como formação, avaliação, pedagogia diferenciada e, principalmente, o desenvolvimento de competências.

Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/materias_296368.shtml?page=page1

Por que o Ensino Médio precisa mudar?


Como aumentar a audiência no Ensino Médio? Para tentar responder a essa pergunta, o Instituto Unibanco, que apoia o EDUCAR PARA CRESCER, realizou um seminário na última sexta-feira, 26, com a presença de especialistas em Educação, que falaram sobre o Ensino Médio no mundo e as perspectivas brasileiras. Entre os palestrantes, estavam os economistas Claudio de Moura Castro e Ricardo Paes de Barros, a ex-diretora-adjunta do International Institute for Educational Planning/Unesco Françoise Caillods, o sociólogo Simon Schwartzman, a superintendente-executiva do Instituto Unibanco, Wanda Engel, o ex-presidente do Inep Reynaldo Fernandes e o professor da UFMG José Francisco Soares.

Durante o seminário, ficou claro que não é apenas no Brasil que o Ensino Médio tem problemas de evasão e desinteresse. A grande questão hoje é como tornar essa etapa da vida escolar interessante para os adolescentes, tanto aqui como em outros países do mundo. “Os jovens são muito presente-orientados. O Ensino Médio precisa trazer mais benefícios imediatos, assim como benefícios futuros”, afirmou Reynaldo Fernandes. Para Claudio de Moura Castro, “a escola brasileira não é a escola de aprender, é a escola de ouvir falar. Os professores passam o conteúdo por cima, pois acham que tudo é importante. A mudança na Educação brasileira passa fundamentalmente pela revisão da ideia do excesso de matéria”.
A francesa Françoise Caillods apresentou o exemplo dos Estados Unidos, que foi o primeiro país a tornar o Ensino Médio obrigatório, no início do século XX. Ela apresentou dados que mostram que quem passa mais tempo na sala de aula possui uma perspectiva financeira melhor. Mas parece que isso não é suficiente para os jovens. Pelo menos não para aqueles que estão abandonando a escola.
Para o economista Ricardo Paes de Barros, a solução para a crise de audiência do Ensino Médio passa pela flexibilidade e atratividade da escola. Uma das experiências apontadas como bem sucedidas para manter os jovens na escola vem do Estado de Goiás. Lá, o conteúdo do Ensino Médio foi dividido em seis períodos de seis meses. Assim, o aluno é incentivado a estudar durante todo o ano letivo e, em caso de reprovação, não perde um ano inteiro, mas apenas seis meses.

Dois estudos fomentados pelo Instituto Unibanco e apresentadas na quinta-feira por pesquisadores da Fundace e da FGV apresentaram um diagnóstico da evasão no Ensino Médio. De acordo com as pesquisas, o mau desempenho no Ensino Fundamental e a distorção idade-série são fatores determinantes para os altos índices de abandono e evasão na etapa seguinte. A verdade é que não existe fórmula mágica para resolver a crise de audiência no Ensino Médio, mas refletir e fazer um diagnóstico do problema já é um bom começo. Como sabemos, hoje quase todas as crianças brasileiras de 7 a 14 anos estão no Ensino Fundamental. Agora é hora de pensar no Ensino Médio.

 Por: Marina Azaredo 

Tirinhas pra bolar de rir!!! :D


Doze Anos

Ai, que saudades que eu tenho
Dos meus doze anos
Que saudade ingrata
Dar banda por aí
Fazendo grandes planos
E chutando lata
Trocando figurinha
Matando passarinho
Colecionando minhoca
Jogando muito botão
Rodopiando pião
Fazendo troca-troca
Ai, que saudades que eu tenho
Duma travessura
Um futebol de rua
Sair pulando muro
Olhando fechadura
E vendo mulher nua
Comendo fruta no pé
Chupando picolé
Pé-de-moleque, paçoca
E disputando troféu
Guerra de pipa no céu
Concurso de pipoca



Chico Buarque

Composição: Chico Buarque 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Apresente-se à Literatura!

      A escola é um ambiente privilegiado para garantir muito contato com os livros. Conheça, passo a passo, os caminhos para ir além dos resumos e questionários de leitura e incentivar na garotada o gosto pelas obras literárias - mesmo que você não tenha familiaridade com esse tipo de texto.

Foto: Omar Paixão, produção Adriana Nakata, cabelo e maquiagem Carmem Corrêa e móveis Evolukit

                                                                            


      Muito se fala do poder da literatura - e de como a escola é um lugar privilegiado para estimular o gosto pela leitura. Infelizmente, porém, as salas de aula brasileiras estão longe de ser "celeiros de leitores". Salvo exceções, o contato dos estudantes com os livros costuma seguir um roteiro no mínimo enfadonho: alguns títulos (quase sempre "clássicos") são indicados (leia-se empurrados goela abaixo) e viram conteúdo avaliado (perguntas de interpretação de texto com uma única resposta correta). E só. A experiência que deveria ser desafiadora vira uma tarefa burocrática e sem graça. Os jovens se formam sem entender os benefícios da leitura e acabam não lendo mais nada. Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e o Instituto Pró-Livro mostra que 45% da população não lê nenhum exemplar por ano (desses, 53% dizem simplesmente "não ter interesse" e outros 42% admitem "ter dificuldade"). 


      Mas, obviamente, é possível mudar esse quadro. Esta reportagem especial se propõe a ajudar você com dicas de especialistas e novidades do campo da didática. Para começar, é preciso compreender que, antes de analisar e refletir sobre os aspectos formais da literatura (história, linguagem etc.), os estudantes têm de gostar de ler. E isso só se faz de uma maneira: lendo, lendo, lendo. Porém ninguém nasce sabendo. Cabe à escola dar acesso às obras e ensinar os chamados comportamentos leitores: "entrar" na aventura com os personagens, comentar sobre o enredo, buscar textos semelhantes, conhecer mais sobre o autor, trocar indicações literárias. Tudo pelo prazer que a literatura proporciona, de nos levar a outros lugares e épocas. Um percurso que idealmente começa na infância - mas também pode ser iniciado mais tarde (nunca é tarde para abrir o primeiro livro). 

      
     Formação literária do professor: nunca é tarde para gostar de ler

      

      Muitos professores brasileiros não tiveram a chance de construir uma história como leitores de literatura. Mas sempre é tempo de criar o hábito de leitura e também inspirar seus alunos.


     Você terminou de ler um romance. Chega à escola e corre para compartilhar a experiência com os colegas. Fala sobre os conflitos do personagem (sem entregar o fim da história, é claro) e comenta que já viveu vários dos questionamentos narrados na história - razão pela qual a trama prendeu a atenção do começo ao fim. Outro professor aproveita para dizer que já leu algo do mesmo autor - e a conversa continua, animada, até a hora de a aula começar. 



      "Um mesmo livro nunca é o mesmo para duas pessoas", já disse o poeta Ferreira Gullar. Essa experiência, ao mesmo tempo pessoal e coletiva, é tão rica porque nos permite entrar em contato com uma realidade diferente da nossa - e, graças a isso, (re)construir nossa própria história dia após dia. 



      Porém a realidade de grande parte dos docentes brasileiros está bem longe disso. Muitos não tiveram acesso a obras literárias em casa nem construíram práticas sociais de leitura (na Educação Básica e nos cursos de graduação universitária). "O professor médio brasileiro do ensino público teve pouco acesso e estímulo a ler. Por isso, conhece poucas obras de literatura contemporânea e clássica", afirma Zoara Failla, gerente executiva de projetos do Instituto Pró-Livro. Então, o que fazer para transformar essa pessoa que tem pouca familiaridade com a literatura em um agente disseminador de boas práticas leitoras? O mais importante é saber que nunca é tarde para se deixar encantar pela literatura e começar uma trajetória como leitor - ou, quem sabe, ampliar ainda mais os conhecimentos sobre os livros. Vamos nessa? 


Por que ler 

      O leitor literário lê por razões variadas: rir, refletir, investigar, relembrar, chorar e até sentir medo. Lê porque mergulha no que autores e personagens pensam e sentem - no passado, presente ou futuro, em lugares distantes ou que nem sequer existem. Lê porque as narrativas literárias o ajudam a refletir sobre a vida e a construir significados para ela. 


Como virar um leitor 

      Não existe um caminho único para se tornar um leitor literário. Você pode começar por textos simples do ponto de vista linguístico e depois passar para os mais complexos - ou iniciar por temas próximos e partir para os mais distantes. "E há os que preferem os grandes desafios desde o princípio porque sabem que eles têm algo a oferecer, nem que seja a estranheza", afirma Ana Flávia Alonço Castanho, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. Um bom caminho para alavancar o gosto pelos livros é procurar uma comunidade de leitores (podem ser os professores da escola, os amigos, os parentes - o importante é encontrar gente que goste de ler). Em Andar entre Livros, Teresa Colomer, professora de Literatura na Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, afirma que "ao compartilhar as impressões sobre uma leitura passamos a saber os significados que a obra tem para os outros, o que enriquece nosso repertório". Outra vantagem desse diálogo permanente é a troca de indicações de textos e autores.


O livro (e outras linguagens) 

      Para os adultos que estão se iniciando no mundo da literatura, perceber as relações entre os livros e outras linguagens é também um caminho interessante. Ver um filme, ouvir uma música ou assistir a uma peça de teatro baseados em obras literárias e depois ler o texto original - ou vice-versa - é ótimo para entender como uma história é contada de maneiras diferentes. Cada formato tem uma especificidade e prioriza determinados elementos, como a descrição do personagem ou do cenário. É inevitável fazer algumas perguntas. O que mudou do texto para a encenação? Como o cinema traduziu em imagens uma paisagem antes descrita só em palavras? E os personagens, como foram retratados? Isso ajuda a despertar o senso crítico e, claro, querer ler mais.


Quando ler 

      A leitura deve ser uma atividade cotidiana, mas não precisa ter hora marcada nem deve se restringir a obras novas. Que tal retomar um livro que foi difícil de ler (ou aquele que você adorou)? Em determinada época da vida, um título pode parecer complexo ou não emocionar e, em outras, ganhar novos sentidos. Já no caso dos livros preferidos, nada melhor do que sentir novamente as sensações que a obra provocou, reler os trechos que mais gostou e relembrar as razões que o levaram a eleger aquele escritor como uma referência. 

Onde ler 

      A leitura é um hobby e cada pessoa conhece o melhor lugar para se entregar aos livros. Há quem goste de ler deitado na cama, antes de dormir. Ou ler no ônibus, a caminho do trabalho. Outros preferem o sofá da sala. E você? 


O que ler 

      Muita gente diz que o bom leitor é aquele que lê os grandes clássicos da literatura. Bobagem. Um leitor competente lê de tudo e passeia por gêneros variados, trilhando o próprio percurso. "Como diz o poeta brasileiro José Paulo Paes, devemos ler desde pornografia até metafísica", argumenta Heloisa Ramos, especialista em Língua Portuguesa e formadora do projeto Letras de Luz, da Fundação Victor Civita (FVC). Os best-sellers, por exemplo, recorrem a padrões narrativos simples e trazem certo conforto. "É por isso que tanta gente gosta dessas obras", afirma Celinha Nascimento, mestre em Literatura Brasileira e assessora de escolas públicas e particulares. "Mas não tenha medo de explorar outras possibilidades", sugere (confira na próxima página sugestões para aprofundar-se no mundo da literatura). Aguns livros exigem mais, pedem esforço intelectual, persistência e concentração. Em troca, costumam nos recompensar mais. "Ler Machado de Assis pode não ser fácil, mas não há dúvida de que proporciona muito mais possibilidades de reflexão", afirma Ana Flávia. Só não deixe que tudo isso vire sinônimo de sofrimento. "Fica mais fácil aceitar os percalços da leitura quando encontramos alguma satisfação", argumenta Celinha. Isso vale para você e para seus colegas. E também para seus alunos. Pode parecer difícil, mas basta dar o primeiro passo - ou melhor, abrir o primeiro livro. Boas leituras!



Estante
Foto: Divulgação
A Casa dos Espíritos,
Isabel Allende, 448 págs.,
Ed. Bertrand Brasil,
tel. (21) 2585-2000, 59 reais
Foto: Divulgação
A Vida Como Ela É,
Nelson Rodrigues, 980 págs.,
Ed. Agir, tel. (21) 3882-8200,
62,90 reais
Foto: Divulgação
As Meninas,
Lygia Fagundes Telles, 304 págs.,
Ed. Companhia das Letras,
tel. (11) 3707-3500, 41 reais
Foto: Divulgação
Bagagem,
Adélia Prado, 144 págs.,
Ed. Record, tel. (21) 2585-2000,
29,90 reais
Foto: Divulgação
Capitães da Areia,
Jorge Amado, 280 págs.,
Ed. Companhia das Letras,
tel. (11) 3707-3500, 23 reais
Foto: Divulgação
Cem Anos de Solidão,
Gabriel García Márquez, 400 págs.,
Ed. Record, tel. (21) 2585-2000,
44,90 reais
Foto: Divulgação
Felicidade Clandestina,
Clarice Lispector, 160 págs.,
Ed. Rocco, tel. (21) 3525-2000,
25,50 reais
Foto: Divulgação
Meu Pé de Laranja Lima,
José Mauro de Vasconcellos,
117 págs., Ed. Melhoramentos,
tel. (11) 3874-0800, 26 reais
Foto: Divulgação
 O Amante,
Marguerite Duras, 112 págs.,
Ed. Cosac Naify, tel. (11) 3218-1473,
45 reais
Foto: Divulgação
 O Caçador de Pipas,
Khaled Hosseini, 368 págs.,
Ed. Nova Fronteira,
tel. (21) 2131-1183, 26,90 reais
Foto: Divulgação
Primeiras Estórias,
Guimarães Rosa, 236 págs.,
Ed. Nova Fronteira,
tel. (21) 2131-1183, 29 reais
Foto: Divulgação
Travessuras da Menina Má,
Mario Vargas Llosa, 304 págs.,
Ed. Alfaguara, tel. (21) 2199-7824,
45,90 reais
Fotos: Divulgação


Elisa Meirelles (elisa.meirelles@abril.com.br). Com reportagem de toda a equipe de NOVA ESCOLA e
NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Como usar os gêneros para ensinar leitura e produção de textos

Eles invadiram a escola - e isso é bom! Mas, é preciso parar de ficar só ensinando suas características!


Ilustrações: Otávio Silveira
1 Como usar os gêneros nas aulas de Língua Portuguesa

Todo dia, você acorda de manhã e pega o jornal para saber das últimas novidades enquanto toma café. Em seguida, vai até a caixa de correio e descobre que recebeu folhetos de propaganda e (surpresa!) uma carta de um amigo que está morando em outro país. Depois, vai até a escola e separa livros para planejar uma atividade com seus alunos. No fim do dia, de volta a casa, pega uma coletânea de poemas na estante e lê alguns antes de dormir. Não é de hoje que nossa relação com os textos escritos é assim: eles têm formato próprio, suporte específico, possíveis propósitos de leitura - em outras palavras, têm o que os especialistas chamam de "características sociocomunicativas", definidas pelo conteúdo, a função, o estilo e a composição do material a ser lido. E é essa soma de características que define os diferentes gêneros. Ou seja, se é um texto com função comunicativa, tem um gênero.

Na última década, a grande mudança nas aulas de Língua Portuguesa foi a "chegada" dos gêneros à escola. Essa mudança é uma novidade a ser comemorada. Porém muitos especialistas e formadores de professores destacam que há uma pequena confusão na forma de trabalhar. Explorar apenas as características de cada gênero (carta tem cabeçalho, data, saudação inicial, despedida etc.) não faz com que ninguém aprenda a, efetivamente, escrever uma carta. Falta discutir por que e para quem escrever a mensagem, certo? Afinal, quem vai se dar ao trabalho de escrever para guardá-la? Essa é a diferença entre tratar os gêneros como conteúdos em si e ensiná-los no interior das práticas de leitura e escrita.

Essa postura equivocada tem raízes claras: é uma infeliz reedição do jeito de ensinar Língua Portuguesa que predominou durante a maior parte do século passado. A regra era falar sobre o idioma e memorizar definições: "Adjetivo: palavra que modifica o substantivo, indicando qualidade, caráter, modo de ser ou estado. Sujeito: termo da oração a respeito do qual se enuncia algo". E assim por diante, numa lista quilométrica. Pode até parecer mais fácil e econômico trabalhar apenas com os aspectos estruturais da língua, mas é garantido: a turma não vai aprender. "O que importa é fazer a garotada transitar entre as diferentes estruturas e funções dos textos como leitores e escritores", explica a linguista Beth Marcuschi, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

É por isso que não faz sentido pedir para os estudantes escreverem só para você ler (e avaliar). Quando alguém escreve uma carta, é porque outra pessoa vai recebê-la. Quando alguém redige uma notícia, é porque muitos vão lê-la.


 Quando alguém produz um conto, uma crônica ou um romance, é porque espera emocionar, provocar ou simplesmente entreter diversos leitores. E isso é perfeitamente possível de fazer na escola: a carta pode ser enviada para amigos, parentes ou colegas de outras turmas; a notícia pode ser divulgada num jornal distribuído internamente ou transformado em mural; o texto literário pode dar origem a um livro, produzido de forma coletiva pela moçada.

Os especialistas dizem que os gêneros são, na verdade, uma "condição didática para trabalhar com os comportamentos leitores e escritores". A sutileza - importantíssima - é que eles devem estar a serviço dos verdadeiros Conteúdos os chamados "comportamentos leitores e escritores" (ler para estudar, encontrar uma informação específica, tomar notas, organizar entrevistas, elaborar resumos, sublinhar as informações mais relevantes, comparar dados entre textos e, claro, enfrentar o desafio de escrevê-los). "Cabe ao professor possibilitar que os alunos pratiquem esses comportamentos, utilizando textos de diferentes gêneros", afirma Beatriz Gouveia, coordenadora do Programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.



2 As boas opções para abordar os gêneros em sala de aula


Existem muitas formas de trabalhar os gêneros na prática. Conheça e compare duas propostas curriculares, de uma instituição privada e de uma rede pública. A primeira é da Secretaria de Educação de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. A segunda é da Escola Projeto Vida, em São Paulo. Ambas cobrem do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e podem servir de exemplo para distribuir os conteúdos porque representam um passo além da chamada "normatização descritiva" (a tendência de explicar só as características de cada gênero).


Antes de detalhar como funciona essa abordagem que privilegia o ensino dos comportamentos leitores e escritores, vale uma palavrinha sobre os conteúdos clássicos da disciplina: ortografia e gramática. Eles continuam sendo muito importantes nesse novo jeito de planejar, pois conhecê-los é essencial para que os alunos superem as dificuldades. Que tempo verbal usar para contar algo que já aconteceu? Que recursos de coesão e coerência garantem a compreensão de uma história? "Saber utilizar a língua é o que mais influencia a qualidade textual", ressalta Beth Marcuschi. Para alcançar isso, porém, não é necessário colocar a ortografia e a gramática como "um fim em si mesmo", ocupando o centro das aulas. Assim como os gêneros, elas são um meio para ensinar a ler e escrever cada vez melhor.


Nas propostas curriculares da Escola Projeto Vida e da rede de Nova Lima, você vai notar que não existe uma progressão de aspectos "mais fáceis" para outros "mais difíceis", pois qualquer gênero pode ser trabalhado em qualquer ano. "O que deve variar conforme a idade é a complexidade dos textos", afirma Regina Scarpa, coordenadora pedagógica de NOVA ESCOLA. Além disso, é fundamental retomar o estudo sobre um determinado gênero (em diferentes momentos, mas para atender a necessidades específicas de aprendizagem).  



3 A turma deve saber que cada tipo de texto tem um suporte 
Ilustrações: Otávio SilveiraA apresentação dos textos é outro ponto essencial: eles devem ser trabalhados em seu suporte real. Se você quer usar reportagens, tem de levar para a sala jornais e revistas de verdade. Para explorar receitas, é preciso que os alunos manuseiem obras de culinária. Na análise de biografias, é fundamental cada um dispor de livros desse tipo. E assim sucessivamente. Portanto, nada de oferecer apenas uma carta que está publicada (ou resumida) nas páginas do livro didático.
Isso posto, é hora de mergulhar nos currículos. O fio condutor que aproxima as duas propostas é a preocupação de fazer a turma transitar pelas três posições enunciativas do texto: ouvinte, leitor e escritor. É nessa "viagem" de possibilidades que a garotada exercita os tais comportamentos leitores e escritores. Na proposta da Secretaria de Educação de Nova Lima, todo professor lê diariamente, ao longo do primeiro semestre, contos para a turma de 2º ano. Ao ouvir, os alunos se familiarizam com diversos exemplos de texto, apreciando-os e aprendendo a identificar características.

Ao mesmo tempo, eles atuam como leitores, comparando diferentes versões de um conto, por exemplo, com o objetivo de refletir sobre os recursos linguísticos escolhidos pelos autores. E o professor ainda põe a garotada para trabalhar - pede que todos caracterizem um personagem e, portanto, escrevam. Nessa hora, eles vão usar termos como "bom", "mau", "bonito", "nervoso" etc. "Só então cabe explicar que esses termos são chamados de adjetivos e são muito importantes em diversos textos, sobretudo os contos e as propagandas, mas não são adequados em outros, como as notícias", explica Beth Marcuschi.

Nessa integração de atividades com diferentes propósitos, os estudantes vão muito além das características de cada gênero - e aprendem de fato a ler e escrever, inclusive fazendo uso da ortografia e da gramática em situações reais. Tudo isso permite dar o pontapé inicial ao que os especialistas chamam de "caminho da autoria". Uma possibilidade é propor a reescrita (individual) de um conto. Mas o percurso pelas três posições enunciativas só estará completo quando a garotada produzir o próprio conto (no caso de Nova Lima, isso é feito no semestre seguinte, com direito a ler as produções para outras turmas).




4 Organização do trabalho pede mescla de modalidades
Ilustrações: Otávio SilveiraPara integrar essa multiplicidade de propostas e dar conta da evolução dos conteúdos, o melhor caminho é organizar as aulas conforme as modalidades propostas pela pesquisadora argentina Delia Lerner e dividir os trabalhos entre atividades permanentes, sequências didáticas e projetos didáticos - que podem ser interligados ou usados separadamente, dependendo dos objetivos. "A chave é pensar numa progressão das dificuldades", afirma a linguista Vera Lúcia Cristóvão, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
O projeto didático é a modalidade mais indicada para trabalhar a escrita - afinal, ao criar um produto final com público definido, a turma aprende a focar em um gênero e saber o quê, por quê e para quem escrever. Em um projeto didático sobre propagandas, por exemplo, a exibição das criações para outros estudantes permite reproduzir o que ocorre com a publicidade na vida real. Além disso, a tarefa adquire outro sentido, pois o aluno sabe que escreve para que outros leiam (e não apenas para o professor) e, portanto, passa a prestar mais atenção na necessidade de se fazer entender.
Já as sequências didáticas são ideais para a leitura de diferentes exemplares de um mesmo gênero, de obras variadas de um mesmo autor ou de diversos textos sobre um tema. Elas garantem uma progressão que respeita o objetivo a ser alcançado. Ao planejá-las, é importante colocá-las antes dos projetos de produção textual. No projeto da Secretaria de Educação de Nova Lima, por exemplo, os textos informativos são explorados numa sequência didática meses antes da criação de um jornal mural.
E as atividades permanentes têm como meta criar familiaridade com os diversos comportamentos leitores. Na Projeto Vida, as turmas do 2º ao 5º ano realizam semanalmente rodas de curiosidades, em que alunos contam para os colegas o que leram em jornais e revistas. Com isso, são estimulados a comentar as notícias.

Por fim, vale destacar que quando os gêneros são ensinados como instrumento para a compreensão da língua, não importa quantos ou quais você trabalha, desde que o objetivo seja usá-los como um jeito de formar alunos que aprendam a ler e escrever de verdade.



Disponível em:http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/generos-como-usar-488395.shtml?page=2
Reportagem sugerida por nove leitores: Adauto Monteiro de Oliveira, Itabaiana, SE, Angélica Jorge Machado, Salvador, BA, Claudia Fidélis, Joinville, SC, Creusa Aparecida Gomes, Cachoeira do Campo, MG, Kennedy Xavier Soares, Manaus, AM, Maria Lucia Monteiro, São Paulo, SP, Mariana Demétrio dos Santos, Ilhéus, BA,Nadir Soarea da Silva Celestino, Juína, MT, e Sheila Lilja, Rio Grande, RS